Um novo teste sorológico para detecção de anticorpos ao Sars-CoV-2, causador da Covid-19, foi lançado recentemente pela empresa gaúcha Imunobiotech, de Porto Alegre. Batizado de ImunoScov19, o ensaio imunoenzimático do tipo Elisa – o mesmo empregado em exames de sangue convencionais – utiliza uma metodologia inédita e mais sensível para identificar pacientes que já sofreram infecção pelo patógeno, de acordo com a empresa. Um pedido de patente da tecnologia foi submetido ao Escritório de Patentes dos Estados Unidos (Uspto) e poderá ser estendido a outros países, inclusive para o Brasil, por meio do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Disponível em laboratórios selecionados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo, o ensaio detecta a presença de anticorpos do novo coronavírus no sangue, exatamente como os testes rápidos para Covid-19. Diferentemente desses, que são realizados a partir de uma picada na ponta do dedo e cujos resultados saem em 15 a 30 minutos, o ImunoScov19 requer que o sangue seja colhido na veia e o processamento feito em laboratório – o laudo fica pronto em oito horas.
Embora não apresente resultado na mesma velocidade dos testes rápidos, o exame gaúcho é bem mais preciso. Sua sensibilidade (capacidade de identificar corretamente pessoas positivas para o vírus) é de 98,2%, diante de 70% dos exames sorológicos rápidos. O teste molecular RT-PCR, exame padrão para o diagnóstico da doença, tem sensibilidade próxima a 100% e leva no mínimo oito horas para ficar pronto. Quanto ao preço, o ImunoScov19 custa em torno de R$ 240, valor similar ao do RT-PCR e três vezes mais alto do que os exames rápidos.
A principal particularidade do ImunoScov19 é o fato de ele detectar a presença de anticorpos do tipo IgG – as imunoglobulinas G – para a proteína S total. Essa proteína, composta por três componentes (S1, S2 e tronco, que liga as duas partes) forma a espícula viral do Sars-CoV-2, a estrutura externa do microrganismo em forma de coroa, que tem papel fundamental na entrada na célula humana.
“A grande maioria, senão a totalidade dos testes rápidos atuais para Covid-19, identifica anticorpos IgG e IgM para outra proteína, a N, que está presente no nucleocapsídeo, segmento localizado dentro do vírus, e não está relacionada com o processo de invasão do patógeno na célula”, afirma o médico Fernando Kreutz, sócio-fundador da Imunobiotech.
“As proteínas S e N são as duas que mais geram resposta imune do organismo, mas de formas diferentes”, explica o cientista, que também é professor licenciado da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Por ser responsável pela entrada do Sars-CoV-2 na célula humana, a proteína S estimula a produção de anticorpos IgG chamados neutralizantes – que anulam a ação do patógeno no corpo –, ao passo que os anticorpos gerados pela proteína N não têm essa capacidade. “Nosso teste mostra com mais clareza a parcela da população que não apenas teve contato com o novo coronavírus, mas que aparentemente se tornou imune a ele.”
Segundo Kreutz, estudos independentes revelaram uma forte correlação entre anticorpos detectados com a proteína S total e testes de neutralização, que são os ensaios que avaliam com mais eficácia a imunidade ao novo coronavírus. Esse é um ponto importante porque ainda há muita incerteza acerca da duração da imunidade adquirida por quem já contraiu a doença.
O ensaio da Imunobiotech também é capaz de identificar tanto os epitopos lineares, que são mais facilmente detectáveis, quanto os chamados epitopos conformacionais, que só estão presentes na estrutura terciária ou tridimensional da proteína e são mais difíceis de ser flagrados – epitopo é a região do antígeno à qual o anticorpo se liga. “Numa resposta imune a vírus ou bactérias, os dois tipos são importantes. Não detectar a resposta a epitopos conformacionais, que é o que ocorre com a maioria dos testes disponíveis, pode limitar a capacidade de detecção de anticorpos contra o novo coronavírus”, pondera Kreutz.
Clonagem em células de mamífero
Outra particularidade do teste gaúcho relaciona-se ao seu processo produtivo. Para fazer um teste, os cientistas precisam clonar e produzir a proteína viral – ou antígeno – que terá a função de detectar a presença de anticorpos no sangue. Para isso, utilizam normalmente a bactéria Escherichia coli ou o fungo Saccharomyces cerevisiae. A proteína S, contudo, precisou ser clonada em células de mamíferos, em razão da complexidade de sua estrutura, um processo mais caro, difícil e menos produtivo.
“Por estar usando um antígeno clonado em células de mamífero, a Imunobiotech acredita que tem um antígeno mais representativo do real, capaz de medir com mais fidedignidade a resposta imune, já que, afinal, quem pega a infecção é a célula humana, e não Escherichia coli ou Saccharomyces cerevisiae”, afirma o médico infectologista Celso Granato, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretor clínico do Grupo Fleury.
Segundo Granato, apesar de, em tese, o ImunoScov19 ser um teste mais sensível, por utilizar um antígeno mais parecido com o antígeno real, a experiência do laboratório gaúcho ainda é relativamente limitada, pois no processo de desenvolvimento do ensaio foram testadas cerca de 1,5 mil amostras. “É um número pequeno. Mas torço para que eles estejam certos, pois, dessa forma, teríamos um teste sorológico sensível para a detecção do novo coronavírus.”
Texto: Yuri Vasconcelos