Sífilis, a doença evitável e de tratamento barato que mata um número crescente de bebês no Brasil

Atendimento pré-natal inadequado, machismo e tabus são obstáculos para evitar que recém-nascidos sejam afetados pela doença; mesmo conhecida há séculos, ela infectou 26 mil bebês no país em 2018 e matou 241.

Enquanto esteve grávida de cada um de seus dois filhos — um menino que tem hoje 2 anos e uma menina de 1 — a alagoana Luisa (nome fictício), 38 anos, precisou tomar um total de 21 injeções de benzetacil, antibiótico da família da penicilina. Mesmo assim, sua caçula, Tainá, nasceu com atrasos no desenvolvimento que persistem até hoje. “Notei que ela não sentava sozinha, caía para trás, tinha a função motora enfraquecida”, lembra a mãe, que mora em Maceió.

Ela ainda se lembra do dia em que recebeu do médico a notícia de que tinha sífilis, doença transmitida sexualmente e cercada de tabu e estigma, e que poderia afetar também o bebê que ela esperava. “Na hora eu me abalei. Chorei na sala, o médico ficou conversando comigo”.

Relatos como o de Luisa, marcados por culpa e sofrimento, são comuns entre as mães que têm a vida transformada pela sífilis, cuja incidência em grávidas e bebês vem aumentando no Brasil na última década, especialmente a partir de 2010.

Nos adultos, a doença tem sintomas que podem evoluir de feridas genitais e manchas no corpo, febre, mal-estar e até lesões na pele, nos ossos e nos sistemas nervoso e cardiovascular, podendo também desenvolver quadros semelhantes à demência e à depressão. Em bebês, os efeitos são ainda mais catastróficos: malformações, microcefalia, comprometimento do sistema nervoso, sequelas na visão, nos músculos, coração e fígado, até aborto ou morte ao nascer, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).

No ano passado, 241 bebês brasileiros com menos de um ano de idade morreram em decorrência da sífilis congênita, em que a infecção é passada pela mãe, durante a gestação.

O boletim mais recente do Ministério da Saúde, divulgado em outubro, aponta que, em 2018, foram registrados 26,3 mil casos de sífilis congênita no país. Desde 2010, quando a doença passou a ser de notificação obrigatória, o aumento foi de 3,8 vezes — passando de 2,4 para 9 casos a cada mil nascidos vivos.

O aumento de uma doença tão antiga e vista como superada pela ciência surpreende, já que a sífilis é considerada pelos médicos um mal de diagnóstico fácil e tratamento barato. Como é possível que uma infecção facilmente detectável, que existe há pelo menos 500 anos e cujo tratamento, inventado em 1928, é um dos mais simples e baratos da medicina, atinja um número tão grande de pessoas — e crianças — no Brasil e no mundo?

“A ciência já resolveu essa doença. O tratamento é à base de penicilina, extremamente barato. Não teria por que ter crianças nascendo com sífilis congênita”, afirma a enfermeira Ana Rita Paulo Cardoso, mestre em Saúde Coletiva pela Universidade de Fortaleza com uma tese que analisou casos de sífilis gestacional e congênita nos anos de 2008 a 2010, em Fortaleza. A pesquisa mostrou que a maior parte das mães teve acesso a consultas de pré-natal, mas o que falta, segundo Cardoso, é melhorar a qualidade das consultas.

No caso de mulheres grávidas, é possível detectar a doença com um teste rápido de sangue. Feito o diagnóstico, é preciso tomar uma dose semanal de penicilina benzatina (benzetacil), durante três semanas. Se o tratamento for seguido no início da gravidez, as chances de infecção do bebê são mínimas.

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