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COMBATE AO CORONAVÍRUS: DESAFIOS EM 2020.

Fonte: OBSERVATÓRIO INTERINSTITUCIONAL COVID-19 NA PARAÍBA - NESC Autora: Lenilma Bento de Araújo Meneses - Enfermeira. Professora Adjunto IV da Universidade Federal da Paraíba, Coordenadora do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva – NESC/UFPB, ex-Presidente da ABEn-PB nos anos 2013 – 2019, integrante da Rede Unida, integrante da Rede de Atenção Primária em Saúde da ABRASCO.

Em dezembro de 2019 o mundo inteiro foi surpreendido com a notícia de uma nova doença, com sintomas parecidos com os da gripe, mas que evoluía de forma grave e rápida, levando muitas pessoas ao óbito. A doença foi batizada de CoviD-19 – doença do novo coronavírus, identificado em 2019, o SARS-CoV-2. A CoviD-19 teve seu primeiro caso relatado em Wuhan, província de Hubei, na China, e rapidamente foi se espalhando para outros países, chegando de forma avassaladora, com alto índice de contaminação e baixa letalidade. Entretanto, em virtude da alta contaminação, a quantidade de pessoas que agravam e morrem é tão assustadora quanto a rapidez com que a doença vem se alastrando pelo mundo. O surgimento do novo coronavírus vem trazendo mudanças significativas e bruscas nas vidas das pessoas, independente de etnia, condições sociais, religião ou profissão, uma verdadeira transformação, claro que bastante acentuada para alguns e menos para outros.

A última vez que o mundo passou por uma situação de gravidade similar por uma doença, foi em 1918, com a gripe espanhola. Até então, nós, população, profissionais de saúde e serviços não tínhamos vivenciado algo parecido. Com a propagação do novo coronavírus, aos poucos, organizações de saúde, instituições nacionais e internacionais, conselhos de saúde, conselhos profissionais e Agência de Vigilância Sanitária foram elaborando e publicando notas, resoluções, decretos, recomendações, orientações, entre outros documentos, na tentativa de conter o avanço da doença.

Os chefes de Estado (presidentes), governos regionais, estaduais e municipais, com exceção de alguns poucos, em sua maioria adotaram medidas de controle da disseminação do vírus, redigindo decretos orientadores da população e dos profissionais da saúde sobre distanciamento e/ou isolamento social. O objetivo era o de não causar o colapso dos serviços de saúde com a superlotação por internamentos e, consequentemente, evitar o aumento no número de óbitos por falta de estrutura nos serviços, especialmente os hospitalares.

Alguns seguimentos populacionais foram identificados como “grupo de risco” – gestante, crianças, puérperas e idosos (BRASÍL, 2020), além de lactantes, imunodeprimidos e pessoas com doenças crônicas. A esses seguimentos foi recomendado ficar em casa e trabalhar em casa (home office), mas, não apenas esse grupo de pessoas teve que guardar isolamento social. As escolas, universidades, bares, restaurantes, academias, estúdios, consultórios e todos os locais que proporcionassem aglomerações, por menores que essas fossem, foram orientados a fecharem. Ficaram abertos apenas os locais considerados de extrema necessidade, classificados como, serviços públicos e atividades essenciais “aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população” (BRASIL, 2020).Consequentemente, todos os profissionais que trabalham nesses serviços, devem continuar trabalhando e não podem ficar em casa, exceto os que são considerados grupo de risco.

O fechamento dos estabelecimentos não incluídos no decreto tinha em vista diminuir o número de pessoas circulando, tanto clientes, quanto funcionários e, dessa forma, reduzir a exposição ao contágio e a quantidade de pessoas doentes e de mortes pelo CoviD-19. Infelizmente, mesmo com as orientações do Ministério da Saúde e da Organização Mundial de Saúde, muitas pessoas desrespeitam e continuam não seguindo tais orientações de distanciamento e/ou isolamento social. O slogan “Fiquem em casa!” busca reafirmar a necessidade de a população atentar para o distanciamento social. Ficar em casa implica em muitas outras situações. O que significa na vida de uma pessoa um conjunto de mudanças de uma hora para outra? Mudança na rotina de quem trabalha e de quem vive sozinho, nas visitas de amigos e familiares, na frequência à escola ou à academia e no uso do transporte coletivo ou acesso aos serviços de recreação e lazer, entre outros. Ir ao cinema, ao shopping, ao barzinho ou simplesmente se sentar na praça do bairro? Com o distanciamento social, tudo isso ficou impedido.

Há um grupo da população que não se afastou de suas atividades de trabalho, pelo contrário, suas atividades se intensificaram. Por fazerem parte da equipe essencial, os profissionais de saúde não puderam parar, seguindo trabalhando e enfrentando uma situação totalmente atípica e de demandas extremas e exaustivas. Os serviços de saúde nunca enfrentaram tal situação e não estavam preparados para uma pandemia. Se nosso País não tivesse o Sistema Único de Saúde (SUS), como construiríamos uma intervenção universal? O SUS é considerado o mais completo e inclusivo sistema de saúde pública do mundo, e que, mesmo sendo violentamente atacado e sucateado por algumas gestões nos últimos anos, continua o mais estruturado em termos de Redes de Atenção, serviços especializados, fornecimento de medicamentos e equipamentos, número de profissionais, palco de formação para futuros profissionais de saúde e de aperfeiçoamento para os que já trabalham no sistema.

Falando em profissionais, denominados “heróis” na atual conjuntura, pela mídia, não podemos e nem devemos secundarizar a preocupação com aqueles imprescindíveis na abordagem assistencial – enfermeiros, auxiliares e técnicos em enfermagem, médicos, nutricionistas, assistentes sociais, psicólogos, fisioterapeutas, farmacêuticos, biomédicos, terapeutas ocupacionais, terapeutas holísticos e fonoaudiólogos, entre outros. Alguns desses profissionais estão na “linha de frente” do atendimento à CoviD-19. Em torno de 80% desses estão atuando no SUS e mais de 60% integram a equipe de enfermagem.

Todos os profissionais que integram a equipe multiprofissional, seja de nível superior, técnico, apoio ou administrativo, precisam de elogios, aplausos e orações, mas precisam, para além disso, respeito, reconhecimento e remuneração digna. São vidas que estão cuidando de outras vidas! Os profissionais de saúde, neste momento de pandemia, precisam um olhar responsável, respeitoso e humano que lhes possibilite realmente CUIDAR. Precisam urgentemente de uma política de proteção à vida e à integridade física e mental, e de políticas e leis de amparo aos familiares em caso de adoecimento e óbito.

Uma política de proteção à vida e à integridade física e mental dos trabalhadores de saúde e, que ampare os familiares em caso de adoecimento e óbito, baseado em leis, inclui 5 aspectos imprescindíveis:

  • Primeiro: garantia de todas as precauções padrão, incluindo pias de fácil acesso nos corredores, sabonete líquido, papel toalha, lixeira com pedal ou sensor, dispensador de álcool gel e EPIs necessários, tais como, máscara cirúrgica ou N95, dependendo do nível de contaminação ao qual o profissional vai se submeter; protetor ocular; protetor de couro cabeludo; protetor de tórax (avental, capote ou jaleco); luvas (borracha procedimento ou estéril); sapato impermeável, fechado, que facilite a limpeza e não corra o risco de acidentes por penetração de fluidos corporais na pele.
  • Segundo: tempo de trabalho do profissional, respeitando o horário de repouso, alimentação e o intervalo entre um plantão e outro.
  • Terceiro: um olhar atencioso da gestão, da chefia imediata e dos colegas para qualquer sinal de alteração emocional do trabalhador (crise de choro, irritação, fuga de algum procedimento, desconcentração ou desorganização pessoal). É importante considerar que o ritmo acelerado de trabalho, a dor da perda de pessoas conhecidas, às vezes colegas, o medo de ser transmissor do vírus ou a próxima vítima, são fatores que podem causar desequilíbrio emocional e o trabalhador pode passar de cuidador a alguém que precisa ser cuidado. A escuta qualificada por um profissional da psicologia ou terapeuta holístico ou qualquer outro profissional que se disponha a ouvir sem julgar, faz uma enorme diferença na vida dessa pessoa. É fundamental a valorização da queixa, do medo, da insegurança, para o colega perceber que não é apenas um instrumento de trabalho, é muito mais que isso, é um ser humano, é querido, é importante para a equipe e para os colegas de trabalho.
  • Quarto: formação permanente de toda a equipe que atua na linha de frente do combate à CoviD-19. Os profissionais lidam o tempo todo com incertezas, temores e risco. Dessa forma, não basta o empregador assegurar os EPIs em quantidades suficientes. Ele precisa disponibilizar formação sobre o uso adequado a todos os envolvidos no atendimento do usuário, desde o pessoal de quem trabalha na segurança, ao pessoal que atua na copa, não exclusivamente aos profissionais de saúde. A capacitação para todos os trabalhadores é condição indispensável para que aprendam a utilizar os EPIs. O domínio na manipulação dos equipamentos de proteção proporciona segurança e diminui a ansiedade dos profissionais. Este é um cuidado indispensável de qualquer serviço e de qualquer gestor em saúde para o seu trabalhador.
  • Quinto: a família do profissional de saúde que vai a óbito em função do trabalho que está desenvolvendo, das vidas que estão cuidando e que devido a esse cuidado, acabam perdendo a própria vida. Observamos que durante a pandemia do novo coronavírus os profissionais de saúde estão tendo pouco ou nenhum contato com os seus familiares, ficam isolados, comem isolados, procuram ter todo o cuidado para se proteger e proteger o seu familiar, evitando assim, a aproximação. Essa situação é, por si só, estressante e desestabilizadora. Para piorar, quando o profissional adoece, assim como todo o paciente da CoviD-19, não é permitido ter acompanhante e, quando vai a óbito, morre sozinho e nem o velório é permitido. A orientação é que seja sepultado ou cremado imediatamente. Os familiares desses profissionais, além de não conseguirem conviver com o seu ente querido, não o acompanham em seu internamento, velório e enterro. Essa situação produz comprometimentos emocionais aos familiares e a necessidade de apoio e acompanhado psicológico para o enfretamento do luto. Além disso, se faz necessário o apoio para resolver as questões financeiras de quem morreu. É preciso que sejam pensadas, o mais rápido possível, políticas de amparo aos familiares dos profissionais em caso de óbito decorrente do trabalho no enfrentamento à CoviD-19.

As medidas de higiene ressaltadas por profissionais e enfatizadas nas mídias abertas e redes sociais são importantes não apenas quando se trata do serviço de saúde, mas, principalmente, no ambiente domiciliar, com a finalidade de nos proteger e a todos que convivem conosco. O cuidado com o calçado, a roupa, as mãos, os objetos pessoais, especialmente quando voltamos de algum lugar é obrigatório e devem ser mantidos diariamente. É fato que tudo o que está acontecendo no país e no mundo é assustador e inédito para a grande maioria da população, contudo devemos pensar sempre que tudo isso vai passar, pois tudo passa. E quando passar, nada será como antes.

Vivemos momentos intensos e de amorosidade, nos reencontramos conosco e com a solidariedade, descobrimos novas formas de nos relacionarmos. Percebemos a importância de coisas tão simples como, por exemplo, um aperto de mão. Descobrimos, também que a ciência é fundamental; que as universidades públicas são e continuarão sendo indispensáveis à sociedade; que a saúde pública é abrangente e necessária e o Sistema Único de Saúde é insubstituível, pois continua forte e possui a melhor organização em Rede de Atenção em Saúde, conhece como nenhum outro os seus territórios e está apto a atender prontamente aos que precisam.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Decreto nº 10.282, de 20 de março de 2020, Regulamenta a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para definir os serviços públicos e as atividades essenciais, Brasília, 2020.

BRASIL, Protocolo de manejo clínico do coronavírus (CoviD-19) na Atenção Primária à Saúde, Brasília, 2020.


 

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