Em meio à pandemia, manter distância demonstra empatia e respeito para com os outros: é uma forma de proteger tanto estranhos quanto amigos, familiares e a si mesmo da covid-19.
Ao mesmo tempo, parece errado atravessar a rua evitando contato humano e abster-se de abraçar os amigos e a família. Passou-se a tremer por dentro ao ver multidões nos filmes, embora pessoalmente se sinta falta da proximidade.
Diversos estudos mostram o impacto negativo do distanciamento social. Embora não passe de um minúsculo vírus, o Sars-Cov-2 vem afetando diversos aspectos da vida, especialmente o psicológico.
Impossível imaginar o fim do túnel
A pandemia é como uma interminável viagem de carro, com eventuais engarrafamentos, em que o passageiro fica pensando: “Quanto tempo falta? Quando vamos finalmente chegar lá?” Ao fim, espera-se alívio, o bem merecido descanso após uma temporada extremamente estafante. A expectativa é de volta à boa e velha normalidade, sem máscaras, sem ter que manter distância interpessoal.
Mas será que essa normalidade vai voltar algum dia? O psicólogo Steven Taylor, da Universidade de British Columbia de Vancouver, no Canadá, que também se ocupa da questão, reconhece: “Muitos acham difícil um retorno ao normal, devido a um viés cognitivo.”
O efeito de ancoragem ou focalismo descreve a tendência humana a se agarrar à primeira de uma série de informações, baseando nessa primeira impressão todas as ações subsequentes, sejam avaliações, argumentos ou conclusões.
“Hoje, em 2021, achamos difícil imaginar um futuro em que se apertem as mãos, abrace e assista a concertos, porque estamos psicologicamente ancorados num presente em que tais coisas são proibidas ou incertas”, explica o autor do livro Psychology of pandemics: Preparing for the next global outbreak of infectious disease (Psicologia da pandemia: Preparando-se para o próximo surto global de doença infecciosa).
Antecedentes sem sequelas psicológicas
Observando-se epidemias e pandemias das últimas décadas, “não há qualquer indicação de efeitos de longo prazo sobre o funcionamento psicológico”, afirma Taylor. Claro, isso pode se dever ao fato de que foram emergências relativamente brandas, comparadas à da covid-19.
Com a assim chamada “gripe espanhola”, entretanto, foi diferente: práticas de higiene como lavar as mãos, cobrir a boca ao tossir e não cuspir no chão provavelmente se tornaram mais comuns depois de 1918. Porém é notável que não houve outras mudanças de comportamento duradouras.
“Considere-se, por exemplo, o uso de máscaras protetoras em público, que era comum e até mesmo compulsório nos países ocidentais durante a pandemia de 1918: o hábito desapareceu rapidamente, depois de a ameaça ter passado”, relata o professor.
Com a covid-19, todos tiveram que se acostumar a usar máscaras. A situação no Ocidente era diferente da dos países asiáticos, onde elas já eram um hábito estabelecido, como forma de impedir a transmissão de resfriados.
“A epidemia de Sars de 2003 em alguns países asiáticos, por exemplo em Taiwan, provavelmente teve uma influência duradoura, e preparou esses países para impor confinamentos rapidamente e logo no começo da covid-19”, aponta Taylor.
Não se sobrevive sem contato físico
Logo após o fim da pandemia do novo coronavírus, pode ocorrer uma espécie de breve “loucos anos 20”, prediz o psicólogo, “caracterizados por sociabilidade particularmente intensa, mas mesmo isso passará, à medida que as coisas voltarem ao que eram, antes da covid-19”.
Martin Grunwald, diretor do Laboratório de Háptica do Instituto de Pesquisa Cerebral Paul Flechsig, da Universidade de Leipzig, está confiante: “A maioria vai voltar a apertar as mãos, se abraçar, frequentar bares cheios e assistir a eventos em estádios lotados, como partidas de futebol. Aos primeiros sinais de que o contato com outro ser humano não é mais perigoso, vamos reverter ao velho comportamento.”
Isso, porque o toque é algo essencial, no nível biológico: “O organismo humano só se desenvolve no contato mais próximo com o outro. É, por assim dizer, uma experiência fundamental da nossa espécie.”
Enfim: o ser humano não pode existir sem o toque. E ele não está só pois todo mamífero que depende dos cuidados dos progenitores na infância precisa de contato físico para se desenvolver devidamente.
“Interação física com o outro está, por assim dizer, no nosso DNA biológico ou social. Ela é configurada por nossas experiências como crianças, como bebês. Vamos encontrar o caminho de volta para essas formas básicas de comunicação”, assegura Grunwald.
A instintiva arte do abraço
Considerando que Taylor e Grunwald estejam certos, tão logo haja indicações de que o contato interpessoal não é mais perigoso, virá a vontade de se abraçar novamente. Mas será que todos ainda saberão como se faz? Como abordar os outros? Como comunicar o desejo de proximidade, toque e abraço?
“Certamente vai ser meio desajeitado no início. Você já vê que agora, quando encontramos alguém, não sabemos muito bem como cumprimentar”, registra Sabine Koch, professora de terapia de dança e movimento na Escola Superior de Ciências Aplicadas SRH, em Heidelberg, e diretora do Instituto de Pesquisa de Terapias Artísticas da Universidade Alanus, nas cercanias de Bonn.
Muito antes da pandemia, ela já vinha pesquisando os abraços: por exemplo, como ritmos corporais comunicam a necessidade de proximidade. Há três estágios do abraço: primeiro movimentos suaves, redondos, depois o corpo fica mais tenso.
Por último vem uma batidinha nas costas ou no ombro, sinalizando o fim do abraço, como que dizendo “Chegou para mim, podemos nos largar”. Essa sequência, segundo Koch, é o que compõe um bom abraço.
Durante seu estudo, porém, ela também observou uma exceção interessante: as três fases se aplicam a todas as combinações de mulheres com homens ou de mulheres entre si, mas não quando homens se abraçam. Pelo menos num contexto público, os abraços masculinos começam imediatamente com uma batidinha nas costas, que é um gesto combativo.
Jogo de sensibilidades não verbais
Portanto, a pandemia seguramente não vai fazer que se esqueça como abraçar. Mas Koch parte do princípio que no começo vai haver alguma reserva, uma espécie de fase de transição. A decisão será “se e como o abraço acontece, no nível não verbal, numa negociação do tipo ‘Está bem abraçar você agora, ou não?'”
“Nosso estudo também mostrou que os indivíduos têm níveis muito diferentes de sensibilidades não verbais”, explica a especialista em terapia de movimento. Ou seja: há quem perceba imediatamente quando alguém dá a batidinha durante o abraço, dando o sinal para se soltar, e dá um passo atrás. Outros notam muito mais tarde, ainda outros não notam nada.
Após a pandemia, a sensibilidade de cada um é especialmente importante. Há sinais reais de que a outra pessoa também quer um abraço? Às vezes não é fácil dizer. Então em caso de dúvida, talvez convenha se conter. Ou perguntar diretamente.
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