A foto da enfermeira italiana Elena Pagliarini ganhou caráter simbólico: caída de exaustão sobre um teclado de computador, esgotada pelo longo turno no hospital. Ela foi tirada no início de março, quando o vírus Sars-Cov-2 ainda era relativamente novo na Europa.
Pouco mais tarde, a própria Pagliarini contraiu covid-19, curou-se, e no começo de junho foi condecorada pelo presidente da Itália, Sergio Mattarella, por méritos extraordinários na luta contra o coronavírus, juntamente com outros 57 outros cidadãos. A enfermeira pode agora ostentar o título “Cavaliere del Lavoro”.
Histórias como essa existem por todo o mundo, em todos os países que a pandemia se alastrou. Pois médicos, enfermeiros e cuidadores de idosos lutam na linha de frente contra o coronavírus, estando especialmente expostos ao contágio.
É quase impossível determinar o número exato de funcionários do sistema de saúde que adoeceram ou mesmo morreram de covid-19. A maior organização representativa de cuidadores e enfermeiros, o Conselho Internacional de Enfermeiros (ICN), calcula um total de 230 mil profissionais infectados e mais de 600 mortos.
Entretanto, como, em média, 7% de todos os casos de covid-19 atingiram profissionais no setor de saúde, até 450 mil médicos e enfermeiros podem ter ficado doentes. Um dos países mais afetados nesse sentido é a Espanha, onde cerca de 20% dos pacientes seriam colaboradores do sistema de saúde.
A Espanha conta entre os poucos países que compilam dados realmente confiáveis, pois lá as infecções entre profissionais de saúde são computadas separadamente. Por outro lado, o fato de desse grupo ser testado com maior frequência que o restante da população também pode destorcer as estatísticas. Em outros países, varia quem é contado como profissional de saúde: por vezes apenas médicos e enfermeiros, por outras também funcionários de lares de idosos.
Nos Estados Unidos, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), uma repartição da Secretaria de Saúde nacional, registra nesta quinta-feira (18/06) quase 79 mil enfermos de coronavírus entre médicos, enfermeiros e cuidadores, com 422 óbitos.
No entanto, tampouco essas cifras correspondem inteiramente à realidade, já que entre todos os casos de covid-19 registrados pelo CDC apenas cerca de um quinto declara “profissional de saúde” como profissão. Portanto a cifra oculta pode ser muito mais elevada.
Também na Alemanha as estatísticas são inexatas. O Instituto Robert Koch (RKI), responsável pelo controle de doenças no país, indica que mais de 13.400 funcionários de consultórios médicos adoeceram, e 20 morreram. Porém, nos lares para idosos a situação é mais incertas, já que seus colaboradores são computados ao lado dos de presídios e de abrigos para sem-tetos e refugiados. Assim, não está claro quantos cuidadores se contagiaram fora dos hospitais.
A Alemanha só aprendeu aos poucos que perigo o vírus representa para profissionais de saúde, observa o especialista em saúde Eckhard Nagel, da Universidade de Bayreuth, ex-membro do Conselho Alemão de Ética.
“Em outros países, como Reino Unido ou Itália, que foram confrontados com a sobrecarga de seu sistema de saúde, equipes inteiras deixaram de poder trabalhar nos hospitais. Não foi o caso na Alemanha. Mas só ficamos sabendo posteriormente que muitos foram se contagiando pouco a pouco, ao cuidar de pacientes”
Brasil na dianteira do risco
Um dos casos mais conhecidos é o do médico chinês Li Wenliang, um dos primeiros a alertar contra o coronavírus, e que foi vítima dele. No Irã, no início da pandemia o médico Mohammad Bakhshalizadeh atendia diariamente cerca de 70 pacientes, geralmente sem vestes de proteção. Em março, ele morreu. A agência de notícias AP calcula que nos primeiros 90 dias da pandemia morreu um colaborador do sistema de saúde iraniano por dia.
Para o diretor da associação de cuidadores ICN, Howard Catton, não se trata apenas de destinos pessoais: o quadro clínico de médicos e enfermeiros pode fornecer informações sobre “a impressão digital” do vírus. “Os dados podem nos dar indícios de onde o pessoal médico se infectou, quão bem protegido estava, e para qual grupo o perigo é especialmente grande.”
É ainda possível que certas minorias étnicas que trabalham com pacientes assintomáticos sejam particularmente atingidas, e “caso haja uma segunda onda de coronavírus, precisamos dessas informações, para proteger o pessoal, e também para que haja suficientes cuidadores para vencer a onda”, explica Catton.
Por isso, o órgão que ele dirige apela para que todos os países coletem sistematicamente os dados pertinentes. Isso também é importante para as nações que se encontram ainda em meio a uma primeira onda de contágios, como muitas da América do Sul. No Brasil, em particular, profissionais de saúde estão expostos a alto risco de infecção: lá morreram pelo menos 157 enfermeiras e cuidadores de covid-19, mais do que em qualquer outro local, segundo o ICN.
Até agora, a Organização Mundial da Saúde (OMS) não expediu qualquer recomendação a seus países-membros para registrarem sistematicamente as infecções entre profissionais de saúde. No entanto, isso é necessário, insiste Catton, pois “o vírus mostrou que os sistemas de saúde de todo o mundo não estão suficientemente preparados”.
A Alemanha já tirou as primeiras lições da primeira onda da pandemia de covid-19, ressalta o especialista em saúde Nagel, que é médico há mais de 30 anos. “Eu não poderia imaginar que fosse faltar roupa protetora na Alemanha. Isso foi corrigido”, diz.
Como copresidente do Hospital Tongyi, em Wuhan, China, Nagel comenta que olhar para outros países também ensina muito sobre a forma de lidar com o novo vírus. No hospital teuto-chinês constatou-se que os turnos nas estações de covid-19 com pacientes especialmente contagiosos não devem exceder seis horas.
“A concentração tem que permanecer alta, senão ocorrem enganos. Além disso, as roupas de proteção e o próprio corpo do pessoal deve ser limpo adequadamente, para que o vírus não seja passado adiante. Isso custa tempo”, explica Eckhard Nagel.
Enquanto por todo o planeta médicos e enfermeiros continuam se infectando com o Sars-Cov-2, muitas questões permanecem em aberto: em que estação hospitalar o perigo de contágio é maior? Determinados grupos étnicos são especialmente suscetíveis? De que equipamento de proteção precisa um cuidador, dependendo de onde trabalhe? As respostas a essas dúvidas poderiam ajudar a enfrentar uma possível segunda onda do novo coronavírus.
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