O presidente da empresa alemã Biontech, Ugur Sahin, afirma ser alta a probabilidade de que a vacina contra a covid-19 desenvolvida por sua empresa, em parceria com a farmacêutica americana Pfizer, seja eficaz contra a nova variante do vírus, que já foi encontrada no Reino Unido e em outros países e é mais transmissível.
Em entrevista à DW, Sahin diz que, apesar de a nova cepa ter várias mutações, apenas 1% da proteína spike, equivalente a um espinho na superfície do vírus que se prende e invade as células humanas, foi alterada. “O que significa que 99% ainda é igual. E sabemos que a resposta imunológica provocada por nossa vacina ataca essa proteína em diversos locais, então a probabilidade é alta que a vacina funcione”, afirma.
A Biontech já está produzindo pedaços dessa nova variante do vírus para avaliar se a resposta imune provocada pela sua vacina é capaz de inativá-lo, e terá uma resposta conclusiva em duas semanas. Se for necessário produzir um novo imunizante, Sahin estima que isso possa ser feito em seis semanas, sem contar os testes e negociações com as autoridades.
A vacina da Biontech demonstrou eficácia de 95% contra a covid-19 e foi a primeira a ser aprovada para uso na União Europeia, nesta segunda-feira (21/12), e deve começar a chegar aos moradores do bloco em 27 de dezembro. O imunizante já está sendo utilizado em países como Estados Unidos e Reino Unido.
Sahin, que nasceu na Turquia e se mudou para a Alemanha aos quatro anos de idade, divide a direção da Biontech com a sua esposa, a também cientista Özlem Türeci, filha de um médico turco. Ele afirma ainda não ter tomado a vacina desenvolvida pela sua própria companhia, pois há impedimentos legais e ele está fora da lista prioritária de imunização.
No entanto, ele planeja produzir um lote extra e buscar uma solução jurídica para vacinar os trabalhadores de sua empresa e de empresas parceiras, com o objetivo de garantir que a produção da vacina não seja interrompida em nenhum momento por causa de uma eventual infecção.
“Nosso objetivo é produzir mais de 1,3 bilhão de doses em 2021, e isso só pode ser feito se realmente continuarmos a trabalhar 24 horas por dia, sete dias por semana, sem qualquer interrupção”, afirma.
O presidente da Biontech reconhece a fama de super-heróis científicos que ele e sua esposa ganharam desde o anúncio de que sua vacina era eficaz, mas destaca que a tecnologia usada só se tornou possível devido à dedicação à pesquisa de muitos cientistas. “A comunidade científica como um todo é um super-herói”, diz.
DW Brasil: O que a aprovação de sua vacina pela União Europeia significa para o combate à pandemia?
Ugur Sahin: É um passo muito importante, esta é a primeira vacina aprovada na Europa. Significa que agora poderemos começar a vacinar a população europeia. Também recebemos uma aprovação na Suíça, para o início da vacinação. Esperamos que seja benéfico para as pessoas vacinadas e que possamos reduzir as hospitalizações, especialmente de idosos, nos próximos meses. Se outros fornecedores de vacinas e empresas obtiverem aprovações, esperamos que seremos capazes de, até o final do verão, ter doses o suficiente, e imunidade o suficiente, em torno de 60% a 70%, o que poderia nos ajudar a controlar a pandemia antes do próximo inverno e antes de 2021.
Estamos acompanhando essa nova variante do vírus, que é mais contagiosa. Pelo que o sr. sabe, a sua vacina é eficaz contra essa variante?
Não sabemos ainda porque ainda não testamos. Nas próximas duas semanas, vamos construir um pedaço dessa nova variante do vírus e avaliar se as respostas imunes contra a nossa vacina são capazes de inativá-lo. Cientificamente, a probabilidade de isso acontecer é alta, porque apesar dessa nova variante ter várias mutações, apenas 1% dessa proteína foi alterada. O que significa que 99% ainda é igual. E sabemos que a nossa resposta imunológica, ou a resposta imunológica provocada por nossa vacina, ataca essa proteína em diversos locais, então a probabilidade é alta que a vacina funcione. Mas teremos os resultados em duas semanas e então teremos certeza.
Se o sr. descobrir que terá que desenvolver uma nova vacina contra essa mutação do vírus, quanto tempo o desenvolvimento levaria?
Tecnicamente, podemos produzir uma nova vacina em cerca de seis semanas, mas o desenvolvimento provavelmente levaria mais porque teríamos que mostrar que essa nova vacina contra essa nova variante provoca respostas imunes. E temos que discutir com as autoridades se eles aceitariam uma mudança como essa na vacina. Há uma discussão científica e médica. Mas tenho confiança de que, se for necessária alguma mudança, a tecnologia que usamos, de RNA mensageiro, poderia produzi-la.
E sobre a distribuição? Muito já foi dito sobre os desafios de distribuir a sua vacina, em função da temperatura baixa necessária. O sr. prevê dificuldades conforme começar a entregar a vacina pela União Europeia?
De forma alguma. Temperaturas baixas não são nenhuma novidade. Transporte com gelo seco é algo conhecido há mais de 50 anos. Não é algo super novo. É apenas uma caixa com gelo seco. E há muitos produtores de gelo seco que nos ajudam a fazer isso. As caixas são transportadas aos locais. E, como visto na televisão, as equipes de saúde podem pegar as caixas e colocá-las em refrigeradores, e ela continua estável por cinco dias. E sabemos que, se a vacina chegar, há um grande interesse em começar a vacinação e derrotar o vírus, então não se trata de um grande desafio.
Países industrializados como a Alemanha têm a vacina, mas países mais pobres não têm esse acesso fácil à vacina. Isso não é injusto?
Não acho que isso seja verdade. Se você olhar o que aconteceu nas últimas semanas, temos agora a aprovação de mais de 40 países, incluindo países emergentes como o México e alguns da América do Sul. Estamos realmente interessados em tornar nossas vacinas disponíveis globalmente. E estamos trabalhando com autoridades do mundo todo para garantir que elas possam ter acesso à nossa vacina.
Permita-me uma pergunta pessoal. Sei que o sr. não aprecia responder a perguntas pessoais, mas o sr. e sua esposa, dra. Türeci, têm um papel central no desenvolvimento da vacina. Qual é a sensação?
Somos muito focados. Isso é o que estamos fazendo há mais de vinte anos. É a nossa pesquisa, e a forma como lidamos com desafios científicos e médicos. Sabemos que chama muito a atenção, mas não vejo isso de uma forma pessoal. Vemos que nosso trabalho é importante. Não estamos sozinhos, estamos trabalhando com a equipe inteira. Estamos trabalhando juntos com um parceiro de nível global nos Estados Unidos. Temos muito apoio de inúmeras empresas e não nos sentimos sozinhos, de forma que podemos lidar com esse grande desafio como uma equipe.
E os dois são super-heróis científicos.
Sim, somos. Somos cientistas e super-heróis, mas isso apenas significa que a ciência que fizemos é importante. Mas não estamos sozinhos no desenvolvimento dessa ciência. Então acho que a comunidade científica como um todo é um super-herói. E isso deve ser visto não como um evento isolado, mas como o investimento em pesquisa por muitos cientistas diferentes que contribuíram para que isso pudesse ter sido alcançado.
Ouvi que o sr. ainda não tomou a vacina. Por quê?
Legalmente, não estou autorizado a tomar a vacina neste momento. Nós, é claro, consideramos tornar isso possível. É importante para nós que nossos colegas de trabalho e parceiros sejam vacinados. Nosso objetivo é produzir mais de 1,3 bilhão de doses em 2021, e isso só pode ser feito se realmente continuarmos a trabalhar 24 horas por dia, sete dias por semana, sem qualquer interrupção. E precisamos garantir que protegemos nossos trabalhadores e os membros da nossa equipe da infecção pela covid-19, porque isso significaria interrupção, atraso e desperdício de doses de vacina. Portanto, consideramos fazer um lote extra, independente do destinado à União Europeia, para parceiros colaboradores que estão nos apoiando e para os membros de nossa equipe.
Por que o sr. não está legalmente autorizado a tomar a vacina?
Porque há uma alta prioridade. A vacina não pode ser tomada fora da lista prioritária. E, o que também é importante, nós não pudemos nem participar dos ensaios clínicos, porque pela lei não é possível incluir pessoas da empresa nesses ensaios. Mas agora temos que lidar com o desafio mais importante, que é garantir que nossa companhia e equipes sigam funcionais. Portanto, isso será necessário. E creio que vamos encontrar uma solução dentro da lei e justa para isso.
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